No reino dos afectos, encontrei o oposto da vida real. Encontrei-o, à beira-mar, nos
olhos verdes brilhantes de um rapaz vestido de branco. Parecia um anjo. Um anjo que fez
com que o meu coração batesse a mil à hora e os meus passos ficassem leves no meio da
areia húmida. O meu corpo levitou e, quando dei por mim, estava lá, ao lado daquela
silhueta perfeita. Fiquei apática.
O mundo pareceu-me ter parado. A única coisa que conseguia ouvir era o meu
coração aos pulos e o rebentar das ondas. Senti uma mão gelada tocar-me na face, a
temperatura do meu corpo aumentou a pique. Olhei para o lado e o brilho do seu sorriso
incendiou-me. O seu calor intimidou-me. Depois do mundo ter parado, só eu e ele demos
por isso. Seria normal? Apesar de nunca o ter visto, fez-me sentir o que nunca tinha
sentido, não sei se felicidade se medo. Que temia? Talvez fosse um sonho, ou realidade
num sonho. Sentia-me confusa, desamparada, até que me abraçou; ambos estávamos
gelados, mas ambos apaixonados. Como acontecera? Será o amor assim?
Não me disse uma única palavra. Pergunto-me a mim mesma se ele teria as
mesmas dúvidas ou as respostas às minhas incertezas. Deixei-me levar, o amor surgiu de
uma maneira que nunca tinha surgido. Os nossos corpos formaram um só, e o amor
nasceu e cresceu. Porque me deixara levar? Não sei o porquê, mas continuei e entreguei-
me. O cansaço falou mais alto, adormeci profundamente do lado daquele corpo que
acabara de me amar, estávamos húmidos, suados e esgotados. O jogo de sedução, os
momentos de prazer, parecia tudo um sonho e realmente não queria acordar caso fosse
verdade. Comecei a sentir frio, senti-me desprotegida. Abri os olhos e olhei em volta,
estava sozinha. Voltei a olhar, teria sido mesmo um sonho? Não, era a realidade, a
realidade de ter sido abandonada.
Esse sonho acabou, as incertezas mostraram-se intermináveis e o medo e o peso
da consciência perseguiram-me sem eu nada saber. Após alguns meses, estava doente,
tinha febres, fraqueza e perdia peso a cada dia que passava; não queria acreditar, tinha
vergonha, tinha receio, questões sem respostas, mas acima de tudo arrependimento. Só
me deparei com a minha irresponsabilidade no dia em que soube o que realmente se
passava comigo. Pouco sabia sobre o assunto, apenas sabia que se chamava HIV.
O mundo caiu bem nos meus pés. Fiquei aterrorizada com algo que nem sabia o
que era, o que iria provocar-me, o que deveria fazer para salvar-me, tantas dúvidas, tantos
mistérios e nenhuma certeza, nenhuma luz para me conseguir salvar. Não tinha quem me
apoiasse, tinha vergonha de pedir ajuda, medo de ser rejeitada e de ser derrotada para
além da minha própria derrota. Amigas? Nunca! Mãe? Algum dia teria de ser! Não tenho
nada, e só agora me apercebi de que não sou ninguém, apenas uma pessoa apanhada na
armadilha da vida de quem não soube agir com a cabeça, mas com o coração.
Escola Secundária de Caldas das Taipas
Sara Cardoso; nº12; 11ºI
Os sintomas surgiam cada vez mais fortes. Estava a morrer, eu sentia que estava
a morrer, a morrer aos poucos. As manchas da minha pele tornaram-se visíveis, a minha
extrema magreza trazia-me a pena de alguns e a rejeição de outros. Já não era nada, não
era nada nem valia nada, ninguém queria ser amiga de um vírus, de uma pessoa que tinha
a certeza que estava a morrer. Tudo o que eu sentia agora era o sufoco, a vergonha de
alguém que é um fardo para outros, até para a própria família. A minha vida parecia agora
coberta por um extenso lenço preto, mostrando toda a minha amargura e desgosto.
As noites eram passadas a observar o luar, a chorar, a pensar no que teria que
fazer mais para conseguir vencer este pesadelo. Numa destas noites tomei uma decisão,
voltar àquela praia onde tudo aconteceu, onde o tormento teve origem.
Quando lá cheguei, o oceano manifestou-se com os seus movimentos cíclicos
transformados em mágoas. Agora já não me sentia bonita, estava feia, degradada,
quebrada. O vento levava-me as lágrimas com a sua bravura, a areia contemplava as
minhas pisadas fortes, senti um aperto no coração, perdi os sentidos por uns longos
momentos… Quando voltei a sentir um leve arrepio na espinha, abri os olhos ainda meio
cerrados e deparei-me com as águas encrespando-se com a mudança da luz do pôr-do-
sol, imagem que já não presenciava há uns largos anos. Sentia-me a morrer e sentia a tua
presença, ou talvez fosse apenas a vontade de te conhecer e de dividir os meus
problemas contigo! Mas… tudo isso não passava de meras ilusões, de histórias dentro de
balões que flutuavam com a minha imaginação bem do seu lado. Fechei os olhos,
respeitando a minha vontade de enfraquecer, e uma voz encostou-se bem perto do meu
ouvido e apenas me diz: “Este nosso segredo fica no fundo do mar! Vamos ser felizes
noutro mundo, meu amor!”. Não precisei de abrir os olhos, só o cheiro do seu corpo, a sua
presença fizeram-me respeitar as suas palavras e obedecer à sua vontade. As dúvidas
terminaram. Desfaleci ali mesmo, em memória de todos os que me amaram e amavam,
mas o meu sofrimento terminou junto de quem o provocou.
O amor será assim? Não sei, nada sei acerca do amor que me trouxe a dor, a
angústia, o desespero de uma vida perdida no meio do vazio… Tudo porque fui incorrecta.
Podia simplesmente ter-me protegido, mas agi de forma errada, quando um simples
preservativo podia ter-me salvo a vida! Mas, se o destino nos juntou no final, foi um sinal,
um sinal de que o amor foi mais forte. Morremos os dois na mesma praia onde eu comecei
a morrer com ele. Se o amor é assim eu não sei. Só o fundo do mar saberá desse amor
traiçoeiro que vivi sem nunca conhecer o seu sentido.
As minhas perguntas esgotaram-se! Morri dele e com ele!

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